CHICO XAVIER

Registro biográfico do personagem brasileiro mais conhecido entre os Kardecistas. Apesar de ser uma produção da Globo (e contar com parte de seu elenco novelístico), o filme conseguiu superar a canastrice de alguns atores devido à direção precisa e o roteiro que consegue ser quase documental sem perder de vista a emoção.

A construção do roteiro conduz com ritmo e interesse crescente a vida do médium em três principais períodos: a infância - com a interpretação surpreendente do ator mirim Matheus Costa - a juventude e a vida adulta. A entrevista histórica para o programa de TV Pinga Fogo, que aconteceu na década de 70, é o fio condutor para as inserções numa trama muito interessante, que traz respostas coerentes para o ceticismo que facilmente se levanta ao discutir os fenômenos da doutrina Espírita.


O filme é baseado no livro As Vidas de Chico Xavier, de Marcel Souto Maior. Os mais céticos haverão de ficar pelo menos intrigados com a história de um homem que não chegou a concluir o ensino médio, escreveu mais de quatrocentos livros, poderia ter vivido muito bem de direitos autorais e abriu mão de dessa possibilidade para doar toda a renda advinda dos livros para obras de caridade. Chico Xavier dizia que era apenas o instrumento usado para escrever tais obras, por isso não tinha direito de lucrar com elas. O médium criou um filho adotivo e manteve-se até o fim da vida com a módica aposentadoria que recebia. O desfecho do filme deixa um pouco a desejar, mas tudo que se vê até lá vale cada minuto e centavo gastos para assisti-lo.



AO ENTARDECER

Grande elenco em roteiro morno e sem surpresas. Ao Entardecer é previsível e decepcionante. Não fosse a expectativa gerada pelo elenco feminino estelar (Toni Collette, Meryl Streep, Glenn Close, Vanessa Redgrave e Claire Danes) e pelo autor Michael Cunningham (As Horas), o filme passaria merecidamente despercebido.

A lengalenga acontece em duas épocas - nos anos 60 e no presente - da vida de uma mulher à beira da morte, que relembra suas estripulias românticas entre memórias e alucinações que beiram o constrangimento. No presente, em companhia das filhas e da enfermeira e, no passado, cercada pela família conservadore e os convidados do casamento de uma amiga. A direção contida e acadêmica do húngaro Lajos Koltai mantém o filme a milhas de distância de qualquer ousadia ou originalidade.

Em suma: desperdício de ótimo elenco numa baboseira melodramática interminável. Poupe seu tempo e sua paciência. Se alguém convidar você para ver este filme, invente uma desculpa ou ponha a culpa neste texto.

LONGE DELA

Por Arthur S. M.


O professor aposentado Grant (Gordon Pinsent), após 44 anos casado com Fiona (Julie Christie), se vê obrigado a interná-la numa instituição especializada em pessoas que sofrem de Alzheimer. O processo de internação se mostra sem grandes dramas, apesar de doloroso. Na instituição, Fiona se apaixona por um paciente e se esquece do marido, que precisa aprender a lidar com toda a situação.


O filme foi escrito e dirigido pela canadense Sarah Polley, que demonstra bastante sobriedade e sensibilidade na montagem de uma história de amor madura e consistente. Apesar de apresentar a doença com uma licença poética que esconde pequenos detalhes que certamente desgastariam a relação. A clínica é um primor, os funcionários competentes, os pacientes vítimas de sua situação e os personagens esclarecidos. Isso dá as condições para apresentar a bela história de uma vida de dedicação mútua, defender o amor incondicional e pregar a aceitação de nossa sorte na vida.

JUNO


Por Arthur S. M.

Estão gostando bastante de Juno. Os diálogos são fluidos e divertidos, com discussões sobre música, TV e gosmas azuis. É, de fato, um filme muito agradável, abordando de forma leve um caso de gravidez na adolescência. O que poderia dar corda para um melodrama sobre a tragédia das responsabilidades é usado exatamente para o oposto. Ele é o mote para construir uma nova imagem dos teen. Juno MacGuff, sixteen, vira o arquétipo das gerações 1990-2000. Bem informada, com amizades sólidas e anestesiada pelos dramas das séries de televisão, a menina tem grande jogo de cintura para lidar com sua situação. Sem sinais de superioridade e muito menos se deixando desestabilizar demais frente aos problemas, Juno é o que todo mundo gostaria de ser ou ter sido na adolescência - receita infalível para cativar o público envergonhado de uma época entre os 13 e os 19.

No roteiro de Diablo Cody, os meninos parecem ser os únicos que dão vazão a qualquer tipo de insegurança. Na verdade, o mais adolescente de todos é um adulto. Fica perfeito o embate de gerações. É como se Juno falasse: "Chega de vocês e seus medos. Sabemos o que queremos e viemos para ficar." Ah, essas crianças incríveis e suas máximas maravilhosas...

A CULPA É DO FIDEL


Por Arthur S.M.

Uma adorável reflexão sobre mudanças e decisões. Aos nove anos, Anna vê as mudanças de atitude dos pais após a morte do tio espanhol, pela ditadura de Franco. Mais engajados politicamente por uma transformação social, o cotidiano da família se transforma.

A menina é quem mais resiste à decisão dos pais que, para ela, viraram "comunistas". A reação da personagem expõe quão frágeis são as decisões, por um lado, ao desarmar os adultos com a simplicidade infantil, e poderosas por outro, ao abrir sua compreensão com as novas perspectivas com que pode encarar a vida. A ambientação dos anos 70 reforça isso, já que é uma época em que as mudanças sociais pareciam iminentes e irreversíveis, mas ainda eram apenas primeiros passos frágeis - que acabaram não se consolidando.

Por essa contradição caminha o filme. Em certo momento, a menina se sente deslocada da vida que queria conservar, como na casa dos avós, ou na relação com a amiga, e percebe que a próxima babá estranha pode ser legal, se estiver aberta a experimentar e menos preocupada em achar culpados. O medo da mudança diminui quando se percebe que podemos agüentá-la.

A PONTE


Nós vamos morrer. Podemos escolher quando e como morreremos. Apesar de saber disso, investigar essa hipótese durante uma hora e meia pode ser perturbador. Julgamentos de valor e moral à parte, o documentário A Ponte desperta curiosidade ao discorrer uma análise sobre a autodestruição. Faz pensar no inegável fascínio que a morte exerce sobre nós.

A ponte em questão é a Golden Gate, em San Francisco, um dos locais procurados por suicidas nos EUA. Ao longo do ano de 2004 o diretor Eric Steel filmou a ponte sob diversos ângulos e, nesse período, conseguiu registrar 24 pessoas saltando para a morte de uma altura de quase 70 metros, em seguida documentou os depoimentos de amigos e familiares de seis suicidas desse grupo.

Um dos pontos mais interessantes do filme é o relato corajoso de Kevin Hines, 23 anos, que sobreviveu ao salto. Suas palavras dissipam a idéia pré-concebida que a maioria de nós tem sobre pessoas que desistem de si mesmas. À primeira vista ele não tinha motivo para chegar às vias de fato: dizia-se amado pelos pais, bem suscedido nos estudos, com muitos amigos e namorada. Conhecer suas razões pode impressionar os mais suscetíveis. "Queria fazer um filme sobre o espírito humano em crise", afirmou o diretor Steel. Pelo visto, conseguiu.

RATATOUILLE


Animação de primeira, feita por um estúdio que já tem por tradição superar-se a cada novo trabalho. Das características que mais dão credibilidade às produções da Pixar, creio que a pesquisa exaustiva sobre os temas abordados é a que mais enriquece os resultados que vemos na tela.

Ratatouille é superior em diversos aspectos: inovação tecnológica, coerência narrativa, empatia e - mais importante - diversão. Tudo para contar a história de Remy, um rato com talento de gourmet que firma uma parceria com o atrapalhado ajudante do restaurante Gusteau's. Os valores e lições de moral das histórias infantis também estão lá, sem entrar em conflito com a originalidade. Talvez aí esteja outro ingrediente do sucesso da Pixar: ser adulto e infantil na medida certa.

Entre os ótimos personagens, sobressai o crítico gastronômico Anton Ego (acima). Suas tiradas ácidas são exemplo da apuração no roteiro, cito uma delas "...nem todos podem ser especiais, mas o talento e o magnífico podem surgir em qualquer lugar, cabendo ao abençoado com este dom esforçar-se para refinar ao máximo suas habilidades – e não fazê-lo seria algo tão criminoso quanto contentar-se com o banal". Na vida inteligente do cinema atual, a Pixar se tornou necessária.

A VIDA SECRETA DAS PALAVRAS


O filme é um retrato sofisticado das emoções em latência por trás das palavras. Num lugar isolado, o silêncio voluntário de uma mulher parcialmente surda é interrompido quando ela se oferece para assistir a um homem acidentado e temporariamente cego. As palavras são a ponte para uma jornada íntima, em que ambos encaram e expõem sofrimentos e segredos.

Com uma interpretação envolvente e sutil, a canadense Sara Polley se confirma como uma das mais competentes de sua geração. Além da protagonista, convivem com a solidão mais sete personagens, construídos com maestria por um elenco multinacional que enriquece a trama numa afinação que pouco se vê no cinema. A acuidade na direção e no roteiro afirmam o talento raro da espanhola Isabel Coixet (Minha Vida sem Mim). Outro ponto forte é a trilha sonora, que potencializa a intensidade e leveza da história - percebe-se a quê veio quando ouvimos Anthony and the Johnsons durante uma tempestade, que marca o desvelo da intimidade dos habitantes do lugar.

A diretora dedica o filme a Inge Genefke (interpretada aqui por Julie Christie), fundadora da IRCT, organização que promove e sustenta a reabilitação de vítimas de tortura e que previne esta prática no mundo todo. Os irmãos Agustín e Pedro Almodóvar são co-produtores deste, que considero um dos melhores filmes que vi nos últimos tempos. Humano, inteligente e sem clichês. Grata surpresa.



ZODÍACO



A trama é quase tão inteligente quanto exaustiva. Informa muito e entretém menos do que se pode esperar numa obra de David Fincher (Clube da Luta, Seven, Vidas em Jogo). O assassino autodenominado Zodíaco queria ser descoberto. Mandou várias mensagens criptografadas para os veículos de comunicação e para a polícia, deu pistas de sua identidade e de seus próximos crimes, aproveitou todas as oportunidades que teve para enganar as autoridades. Conseguiu. Sua identidade jamais foi descoberta.

Para contar sua história, o roteiro baseia-se em relatos policiais e no livro Zodiac, de Robert Graysmith. O mesmo Robert, interpretado com muita competência por Jake Gyllenhaal, é o cartunista do jornal San Francisco Chronicle que envereda por uma busca obsessiva seguindo pistas que levem ao criminoso. Busca essa que se torna o foco da segunda metade do filme. O elenco manda muito bem, destaque para Mark Ruffalo, na pele do detetive viciado em cookies. Mas quem sobressai numa interpretação indelével é Robert Downey Jr., como um jornalista cínico que só quer se autopromover.

Para quem curte os detalhes, a abertura de Zodíaco é a mais singela de todos os filmes de Fincher. Trilha sonora, idem. Faltou emoção e sobrou descrição.

BAIXIO DAS BESTAS



Baixio das Bestas podia ser visceral. Não é por causa do argumento, neste faltou força, evolução e criatividade. O elenco está muito bom, salvo uma e outra exceção que se dilui no grupo. Destaque para a interpretação de Dira Paes e a participação meteórica de Hermila Guedes. Até Matheus Nachtergaele conseguiu criar um nordestino diferente de todos os outros que já interpretou. O pernambucano Cláudio Assis, com sua pseudo-ousadia no argumento, bateu na trave da própria ingenuidade panfletária e perdeu a chance de fazer um filme arrebatador. Que a realidade pode ser cruel e violenta, qualquer pessoa que assista pelo menos ao Jornal Nacional já está cansada de saber. Chega a ser pueril acreditar que, para chocar, basta mostrar os arrabaldes da Zona da Mata Pernambucana – prostituição, agroboys onanistas e exploração sexual – sem mergulhar com fé nesse assunto. O que se vê na tela é o relato superficial de um submundo rural brasileiro. Paciência. É preciso bastante paciência para acompanhar uma estória que dá tantas voltas ao redor de si mesma para chegar a lugar nenhum. A excelente fotografia de Walter Carvalho e o esforço do elenco salvam o público do tédio. A certa altura, o personagem de Nachtergaele olha para a câmera e diz “O bom do cinema é que nele você pode fazer o que quiser”, complemento: inclusive abusar da tolerância do espectador.

A COMILANÇA

Por Arthur S. M.


O filme de Marco Ferreri leva às últimas conseqüências os desejos do ventre para baixo. Quatro amigos resolvem se suicidar numa orgia sexual e gastronômica - o vazio da vida lhes é preenchido por comida, muita comida. Nessa escolha poética, no entanto, a sensibilidade fica em segundo plano, a voracidade é a regra. Se é bela a montagem do prato, tal refeição só se realiza quando é absolutamente desfigurada por glutões à busca da saciedade de suas vidas. Há arte em fazer a comida, não em comê-la.

Não espere ficar com fome após o filme. Mas fica claro que apetite nada tem a ver com comer. Comer tem a ver com a morte, é o que nos mantém vivos para morrer. Os personagens vividos por Marcello Mastroianni, Michel Piccoli, Philippe Noiret e Ugo Tognazzi (que mantêm seus prenomes no filme) escolhem uma forma grotesca de morrer, mas após a comida empanturrar seus corpos até seus cérebros, ninguém pode dizer que o grotesco não sacia.

SUNSHINE

por Arthur S.M.

Então é assim que se faz ficção científica! Eu já tinha até esquecido depois da invenção de filmes de ação com tecnologia digital. O gênero, ao meu ver, se faz pela criação de novas possibilidades de explorar histórias humanas por meio de questões científicas e não pelo protagonismo de tecnologias fantásticas que querem matar todo mundo. E tem aqueles cacoetes típicos, como aquela conversa que só um nerd nerd (sic) vai entender depois da terceira vez que vê o filme, com o roteiro em mãos, ou ainda a presença de cientistas que são... cientistas e agem como cientistas, ou aquela licença poética daquele fenômeno que tem pelo menos três teorias conflitantes de explicação, permitindo ao filme criar uma quarta. Isso que me permite afirmar que Sunshine é um filme para nerds, com todo prazer e problemas que isso proporciona.

FILHOS DA ESPERANÇA



por Arthur S.M.

Em 2027, o desastre ambiental se consolida, o terrorismo se fortalece dentro e fora do Estado e a humanidade não mais pode ter filhos. Por alguma razão, nenhuma mulher engravida. Boa parte do filme retrata essa realidade, tentando passar como funcionaria uma sociedade em que as crianças não existem. Como reproduzir uma sociedade na qual seus membros não podem se reproduzir? A resposta é desoladora e desesperançada. Mas eis que um milagre acontece e um bebê é concebido. Em vez de esperança, no entanto, essa futura criança só cria tensão. As contrações da mãe vão deixando nossos nervos contraídos, mas não os preparam para o ritmo ainda mais angustiante dos tiros, que não param, parecendo ser o fruto da humanidade que mais se reproduz. Um filme futurista em que não aparece nenhum avanço tecnológico que já não esteja no nosso cotidiano, já que se preocupa em aprofundar nos retrocessos humanos que botamos em marcha.

O CHEIRO DO RALO


Uma crônica urbana sobre os limites da dignidade humana. A projeção não tem cheiro, mas a sensação de desconforto se espalha pela sala de cinema, alastrando uma constatação: chegou às telas o primeiro longa independente brasileiro de qualidade. O termo 'independente' é mais do que merecido, pois foi realizado a duras penas, com o dinheiro das pessoas que fizeram o filme. Com projeto aprovado pelas leis de incentivo, a obra não conseguiu patrocinadores.


Percebe-se logo de cara que o filme não está muito preocupado em agradar. A interpretação de Selton Melo é hipnótica e detestavelmente convincente – ao lado de Lavoura Arcaica, este talvez seja o seu melhor trabalho para o cinema. Selton é Lourenço, dono de uma loja que compra objetos usados. Ele exala sua perversidade no prazer que sente em explorar e humilhar pessoas em desespero financeiro, até que se torna refém de sua obsessão por uma bunda. Com cinismo quase onipresente, o roteiro envolve e segura a atenção até o fim. Talvez peque um pouco ao insistir num desfile interminável de pessoas com a auto-estima à venda. O figurino retrô e os cenários intimistas deram um ar cool e desimportante às pessoas que vemos na tela. Neste seu segundo longa metragem, o diretor Heitor Dhalia conseguiu dar leveza a uma história bem mais densa e depressiva, sem perder a essência do Cheiro.


Pense numa criança que leva uma surra depois de pedir aos pais uma consulta ao psiquiatra, como presente pelo seu aniversário de dez anos. Seria cômico, se não fosse verdade. Na verdade é cômico mesmo assim. A criança era Lourenço Mutarelli, autor do livro homônimo que originou o filme.

O BOM PASTOR



O Bom Pastor é um filme burocrático, tenso e lento. Um verdadeiro teste de paciência. Creio que a mesma história poderia ter sido contada em uma hora e meia, em vez dos 167 longos minutos que tem de duração.


A expressão facial de Matt Damon permanece inalterada durante todo o filme - feliz, triste, cansado, em pânico, o tempo todo com o mesmo semblante, olhos arregalados e poucas palavras. John Turturro, por sua vez está ótimo, mesmo num papel secundário consegue chamar a atenção de maneira precisa toda vez que está em cena. Angelina Jolie, em suas poucas aparições, lembra Elizabeth Taylor em Gata em Teto de Zinco Quente, como um vulcão contido atrás de uma sensualidade frustrada.


A direção de Robert De Niro pode ser comparada a um dever de casa acadêmico, com enquadramentos e marcações tão engessadas que temos a impressão de que os pés dos atores e figurantes estão pregados no chão. De Niro devia continuar fazendo o que sabe muito, que é atuar, deixando a direção para seus colegas que bem souberam extrair o que ele tem de melhor.


O roteiro de Eric Roth (Forrest Gump e Munique) é minucioso no que se refere à pesquisa. Requer do espectador bastante atenção e algum conhecimento sobre história contemporânea, pois traz um volume de informações considerável. Boa parte baseado na participação norte-americana na Guerra Fria e na vida de James Jesus Angelton, um dos fundadores da CIA.


Além disso a trama é cheia de idas e vindas em diferentes datas politicamente determinantes para os americanos. Condizem com o período que vai da infância traumática de Edward Wilson (Matt Damon), passando por seu ingresso na Sociedade Skulls and Bones (de onde saíram grandes líderes e políticos influentes), seu trabalho a serviço do país durante a Segunda Guerra, até sua participação no planejamento do episódio que foi um dos maiores fiascos militares dos EUA, a invasão da Baía dos Porcos, em Cuba. Muita hora nessa calma.

MARIA ANTONIETA




A rainha usa All Star. Dança New Order, Bow Wow Wow,
Strokes, é vaidosa, entediada e não consegue fazer sexo. Parece a descrição de alguma adolescente de hoje. Sofia Coppola aprendeu bem as lições de fotografia com o pai, Francis Ford, mas quis fazer um caminho diferente no cinema, fugiu e continua fugindo de escolhas óbvias e comerciais. Nesta terceira experiência em longa-metragem, preocupou-se em demasia com a reconstituição de época e negligenciou fatos históricos acerca da personagem que, nesta nada singela opinião, deixariam seu filme bem mais interessante ou menos entediante. Sua versão pop da rainha acabou ficando careta e contida demais. A interpretação de Kirsten Dunst está linear e rasa. Lamentável. A trilha sonora bacana ajuda a encarar as duas horas de projeção, mistura música lírica com hits dos anos oitenta. Apesar de tudo, o roteiro encontra soluções criativas para alguns assuntos-chave (como a perda do terceiro filho e a vaidade da menina) e o figurino é convincente. A julgar pelo ritmo do filme, o final é um coito desagradável interrompido. Ainda não sei se pelo alívio de ter acabado ou pela falta de cabeças rolando.

A PELE



Diane Arbus (1923-1971) descobriu-se uma fotógrafa talentosa quando trouxe à tona seu fascínio pelos “outsiders” - travestis, pessoas com anomalias genéticas e personagens de circo. Para representá-la, Nicole Kidman deu conta do recado, convenceu. Robert Downey Jr por sua vez, teve o defeito físico do personagem a seu favor, pois quase não vemos o seu rosto inexperessivo na tela.


As tomadas e a fotografia são excelentes. A trilha sonora misteriosa e melancólica ressalta o universo íntimo e a curiosidade da personagem. Além disso, o filme é repleto de cenas muito bem construídas e bem fotografadas. Duas que especialmente me chamaram a atenção foram: uma em que Diane abre uma “passagem oculta” no sótão, que comunica com a casa de Lionel, seu vizinho tricotômico (coberto de pêlos), e por lá seus amigos estranhos adentram seu estúdio fotográfico. Pode-se entender como uma metáfora do acesso aos desejos reprimidos da artista. Seu interesse pelo “outro lado” sendo liberado e fluindo para sua casa e sua vida de maneira irreversível. Outra cena interessante é a que Diane regressa depois de uma noite e um dia fora, coloca a chave na fechadura do seu apartamento, o marido lá dentro ouve e anseia pelo reencontro, ela retira a chave, sem abrir a porta, e vai para a casa vazia do amigo. Aí estava retratada sua decisão. Neste momento podemos entender tudo o que aconteceria em seguida, sem que única palavra fosse dita. Lá vai mais um spoiler: Diálogo muito bom acontece quando Diane questiona o Lionel sobre sua abstinência sexual, ele responde que estava esperando por uma aberração verdadeira, como ela.

PEQUENA MISS SUNSHINE



Leve, engraçado e desvia bravamente dos clichês a que estava condenado. O elenco é dos bons, a atriz que faz a pequena Olive, Abigail Breslin, é excelente. A história extremamente simples facilita a empatia pelo filme. A tolerância entre os personagens é algo comovente, improvável e convincente. O resultado é um filme que faz sentir bem, faz sair do cinema com um sorriso involuntário. Quando ainda era um projeto, Little Miss Sunshine foi rejeitado por seis produtoras e foi realizado de forma quase independente, com um terço do orçamento inicial. A resposta de crítica e público foi excelente, o filme foi indicado a 4 Oscar (ganhou os de roteiro original e de ator coadjuvante), além de outros prêmios e já arrecadou mais de 15 vezes o valor investido na produção.

SHORTBUS


Um grupo de nova-iorquinos em busca de felicidade através do sexo. Acho que essa frase pode resumir o filme. As cenas de sexo explícito são bem feitas e ousadas. Fora isso, o filme tropeça e capota nos clichês existenciais de qualquer personagem numa grande metrópole. O elenco quase convence e a direção de arte é bacaninha. O recurso de usar uma casa de orgia como ponto de encontro dos personagens já foi bem visitado. Provavelmente vai se tornar um cult entre o público moderno-descolado-leitor-de-segundo-caderno, assim como aconteceu com Hedwig, trabalho anterior do diretor John Cameron Mitchell. Em resumo: sexo e felicidade sem nenhuma novidade.

BABEL



Muito aquém aos filmes anteriores da dupla Iñarritu e Arriaga, diretor e roiteirista. O que não faz deste um filme ruim. Pelo contrário. Mas deixou muito a desejar, sobretudo na expectativa que gerou. Talvez quem não conhecia as obras anteriores – Amores Brutos e 21 Gramas – se empolgue mais. Guillermo Arriaga imprimiu no roteiro o mesmo estilo entrecortado, com personagens em situações angustiantes, que usou nos ótimos textos de Amores Brutos, 21 Gramas e Três Enterros (esse último dirigido por Tommy Lee Jones), só que desta vez numa abrangência geográfica maior. Talvez isso tenha tirado um pouco o fôlego da história. O casal norte-americano destoa de todo o resto, na atuação over de Brad Pitt e no desempenho contido de Cate Blanchet. Em compensação a sub-trama que acontece em Tóquio vale o ingresso. As interpretações de Rinko Kikuchi e Adriana Barraza, na pele da adolescente japonesa e da babá mexicana são um show a parte. Um filme grande, mas certamente não é um grande filme.

MAIS ESTRANHO QUE A FICÇÃO


Ousadia com inteligência é sempre bem vinda. O filme já está na minha lista de melhores de 2007. O elenco está perfeito, afinado e talentoso. O roteiro consegue tirar o gênero comédia do limbo de enlatados óbvios e sem nenhuma ousadia. O cinema precisa de mais textos como este, de Zach Helm, para que pessoas que têm mais de um par de neurônios consigam dar boas risadas. Para que possam fugir dos argumentos imbecis com os quais esbarram toda semana nos segundos cadernos. Marc Forster é um caso a parte entre os diretores atuais, escolhe projetos completamente diferentes entre si, como Em Busca da Terra do Nunca, A Última Ceia e A Passagem, este último um erro lamentável. Concordo que o estilo não é inédito, Michel Gondry, Spike Jonze e Charlie Kauffman já visitaram o realismo cômico-fantástico e também fizeram obras excelentes. Filmes originais são sempre bem-vindos, são um grande estímulo para quem vai ao cinema por tesão, e não para ruminar baldes pipoca.

O LABIRINTO DO FAUNO


Fábula e ultraviolência. O Labirinto do Fauno não trouxe nada de novo, a não ser a junção destas duas características de forma contundente. Talvez por isso seja um filme excelente. Assisti entre mais de duas dezenas de longas em duas semanas, na ocasião da Mostra Internacional de Cinema de SP, este foi um dos que mais me deixou resquícios na memória. A atmosfera mágica e sombria, a ambigüidade da trama cuja certeza só temos no final. Desfecho sensato e emocionante. Impossível esquecer, da trilha sonora, a triste cantiga de ninar. Os efeitos especiais que não perdem em nada para os Industrial Light and Magic da vida. E a violência! Algumas cenas fazem filmes do Tarantino parecer conto de fada. Apesar de pouca novidade na trama, a ousadia de inadequar para menores um filme que teria grandes chances com este público já vale o filme. Fiquei também feliz em ver um longa mexicano de tão alto nível técnico. Se fosse americano duvido que teria mantido a maioria destas qualidades.

O CÉU DE SUELY


Os silêncios da personagem enriqueceram demais a trama. Imagino que quase todo mundo se identifica com a protagonista quando ela diz, no guichê da rodoviária "Qual a passagem pro lugar mais longe que vocês têm?". Quem já não quis ir embora na ilusão de deixar para trás os tormentos da vida? Filme bastante sensível e sutil, quase antagônico ao longa de estréia do diretor, Madame Satã. Espero que Karin Ainouz volte sempre às telas, com mais olhares carregados de emoção, mais personagens reais, com outros filmes autorais e nada comerciais. De abobrinhas com pipoca já estamos fartos. Que venham outros céus de suely pra provar que brasileiro sabe fazer filmes de qualidade e, sobretudo, sem ofender a inteligência do espectador.

CLUBE DA LUTA



Creio que as pessoas gostam de um filme por identificação ou projeção de si mesmas na história, além do óbvio: entretenimento. Gostei demais deste pelas três razões acima e mais algumas. Passei a ler o autor, Chuck Palahniuk. Comecei acompanhar o trabalho do diretor, David Fincher. Cheguei a considerar Brad Pitt um ator razoável. O filme mexeu com um pouco do que havia de melhor e pior em mim. Somos realmente filhos do meio da história, como afirma o personagem de Edward Norton.
Quando assistimos filmes numa quantidade acima da média (mais de quatro por semana), é comum atribuir notas a eles. Nos colocamos em posição de condenar ou absolver o que vemos. Geralmente o número de filmes com nota máxima é inversamente proporcional ao número de filmes já vistos. Clube da Luta certamente é um dos que mereceu a melhor nota, nesta nada singela opinião. Eu poderia passar horas listando qualidades deste longa, e esgotar a sua paciência até você desistir de ler este comentário. Em vez disso, recomendo que você veja ou reveja o filme.

Tyler Durden disse "Se eu acordar num lugar diferente, com um nome diferente eu sou uma pessoa diferente?"


BORAT



Vale o esforço. Julgo uma comédia pelo número de vezes que consigo rir durante o filme. Neste dei umas três ou quatro risadas, isso é uma média alta pra mim. Depois considero as outras características da obra: interessante o formato pseudo-documentário; ultrapassa alguns em ridicularização de tudo e todos (inclusive a si próprio); aparenta ser de baixo orçamento, o que considero um mérito por conseguir ser tão visto e comentado. Acho que no gênero é tão raro encontrar algo que apresente qualquer novidade que, quando me deparo com filmes como este, tento valorizá-lo. Com algum esforço posso até recomendar. Para quem não tem mais absolutamente nada para assistir, pode até conseguir dar algumas risadas. Para pessoas de riso fácil, que têm algum preconceito velado, provavelmente será um deleite. Sejam lá quais forem as razões, se levarem à risadas creio que valem o esforço e o ingresso.

MALDIÇÃO


Ir ao dentista é mais divertido. Já está na minha top-list dos piores de 2006. O filme é uma seqüência de equívocos, intercalada de clichês previsíveis, péssimas interpretações e um roteiro sofrível. Tentou ser várias coisas e não chegou a ser nenhuma, com referências a Poltergeist, O Exorcista, Evil Dead e A Profecia - sobretudo as partes óbvias. Cabe aqui uma máxima, cujo autor não me lembro: "Não sei o segredo do sucesso, mas do fracasso é querer agradar todo mundo". Donald Sutherland e Sissi Spacek devem estar precisando MUITO de dinheiro, para embarcar numa furada dessas. Se você tem menos de 12 anos e sua mãe nunca lhe deixou ver filmes de fantasmas, talvez este tenha algo de novo a lhe contar.

ENSINA-ME A VIVER


Harold and Maude é uma ode à amizade, ao respeito e à tolerância. Um filme que faz bem para a alma, talvez porque incita a olhar as pessoas com mais atenção. Vi em criança e desde então está na minha lista de favoritos de todos os tempos. O romance improvável entre um rapaz de 18 e uma senhora com mais de 80, escritos com precisão e humor negro por Colin Higgins, somados ao desempenho envolvente de Ruth Gordon e Bud Cort resultaram num cult-movie da década de 70. Infelizmente nunca não foi lançado em VHS ou DVD no Brasil. Para os fãs, o roteiro original e o livro que deu origem ao filme podem ser encontrados por aqui, em português. Hal Ashby, o diretor, teve outro grande acerto quando fez "Muito Além do Jardim", com Peter Sellers no papel de um jardineiro ingênuo que desconhecia o mudo fora dos muros de seus canteiros. São filmes eternos que merecem ser lembrados.